Parábola do Escravocrata

Alfredo Molina morava numa grande fazenda e tinha muitos escravos. Seu filho o criticava muito por isso, pois ele achava que era errado para um homem possuir outro homem, mas seu pai falava que na verdade não havia nada de errado nisso, pois a própria bíblia falava que foi Deus que inventou a escravidão.

GÊNESIS [9]20 E começou Noé a cultivar a terra e plantou uma vinha.21 Bebeu do vinho, e embriagou-se; e achava-se nu dentro da sua tenda.22 E Cão, pai de Canaã, viu a nudez de seu pai, e o contou a seus dois irmãos que estavam fora.23 Então tomaram Sem e Jafé uma capa, e puseram-na sobre os seus ombros, e andando virados para trás, cobriram a nudez de seu pai, tendo os rostos virados, de maneira que não viram a nudez de seu pai.24 Despertado que foi Noé do seu vinho, soube o que seu filho mais moço lhe fizera;25 e disse: Maldito seja Canaã; servo dos servos será de seus irmãos.26 Disse mais: Bendito seja o Senhor, o Deus de Sem; e seja-lhe Canaã por servo.27 Alargue Deus a Jafé, e habite Jafé nas tendas de Sem; e seja-lhe Canaã por servo.

E ele não era um homem muito bom com seus escravos. Ele lhes dava bastante comida e bebida e um lugar para dormir, é verdade, mas ele fazia isso porque os queria forte para enfrentar a roça. Da mesma forma que você dá bastante comida para um cavalo senão ele morre, ele dava comida a seus escravos.

Ele costumava espancar os mesmos quando eles não vinham logo lhe atender. Lógico que não espancava demais porque não queria perder seu dinheiro. Um dia, ele havia mandado o Benedito comprar uma sela e o Benedito ficou demorando muito. Isso aconteceu porque a carroça que o Benedito usou para ir comprar a sela deu um problema na roda e ele teve que consertá-la. Mas o Sr. Alfredo, seu amo, não quis nem saber de explicações, logo que ele chegou com a sela, ele começou a espancá-lo e espancá-lo e espancá-lo. Quando ele percebeu que podia matar o Benedito, parou, mas o Benedito não se levantou. Levaram-no para o casarão e o Sr. Alfredo ficou com muito sentimento de culpa pelo que tinha feito. Passaram-se três dias e o Benedito se recuperou e voltou a trabalhar e o Sr. Alfredo encontrou o consolo na bíblia que acabou com seu sentimento de culpa.

ÊXODO [21]20 Se alguém ferir a seu servo ou a sua serva com pau, e este morrer debaixo da sua mão, certamente será castigado; 21, mas se sobreviver um ou dois dias, não será castigado; porque é dinheiro seu.

Seu filho, o José, não gostava muito do jeito que seu pai tratava os escravos. Ele era um garoto muito bondoso e nunca havia batido em nenhum deles. Ele até pensava que um dia moraria em algum lugar onde não houvesse escravidão, mas seu pai sempre lhe dizia, “Um dia tudo isso aqui será seu e todos esses escravos serão sua herança”.

Levítico 25:44 a 46  E quanto aos escravos ou às escravas que chegares a possuir, das nações que estiverem ao redor de vós, delas é que os comprareis.45 Também os comprareis dentre os filhos dos estrangeiros que peregrinarem entre vós, tanto dentre esses como dentre as suas famílias que estiverem convosco, que tiverem eles gerado na vossa terra; e vos serão por possessão.46 E deixá-los-eis por herança aos vossos filhos depois de vós, para os herdarem como possessão; desses tomareis os vossos escravos para sempre; mas sobre vossos irmãos, os filhos de Israel, não dominareis com rigor, uns sobre os outros.

Conforme o José foi crescendo, suas discussões com o pai tornavam-se cada vez mais homéricas. Mesmo seu pai lhe mostrando a bíblia, ele achava errado que alguém possuísse outro ser humano. E principalmente quando alguns escravos ganhavam a liberdade, mas preferiam continuar a ser escravos porque não queriam abandonar a mulher e os filhos. “De que adiantava ser livre se os familiares continuariam escravos?” Eles pensavam e acabavam aceitando a vida de escravidão. Seu pai dizia que não havia nada de errado na escravidão porque a bíblia era a Palavra de Deus e ele podia ver claramente que Deus não era contra a mesma.

Êxodo 21:2 a 7 Se comprares um servo hebreu, seis anos servirá; mas ao sétimo sairá forro, de graça.3 Se entrar sozinho, sozinho sairá; se tiver mulher, então com ele sairá sua mulher.4 Se seu senhor lhe houver dado uma mulher e ela lhe houver dado filhos ou filhas, a mulher e os filhos dela serão de seu senhor e ele sairá sozinho.5 Mas se esse servo expressamente disser: Eu amo a meu senhor, a minha mulher e a meus filhos, não quero sair forro;6 então seu senhor o levará perante os juízes, e o fará chegar à porta, ou ao umbral da porta, e o seu senhor lhe furará a orelha com uma sovela; e ele o servirá para sempre.7 Se um homem vender sua filha para ser serva, ela não sairá como saem os servos.

E o Sr Alfredo ainda lhe falava: “Olha, filho, você ainda tem sorte que eu não posso lhe vender como antigamente, pois a bíblia diz que filhos mal agradecidos e reclamões podem até mesmo ser vendidos pelos pais, e você reclama demais de barriga cheia.”

Joel 3:8 pois venderei vossos filhos e vossas filhas na mão dos filhos de Judá, e estes os venderão aos sabeus, a uma nação remota, porque o Senhor o disse.

O que o José mais odiava era o fato do seu pai fazer questão de açoitar os escravos pessoalmente. Ele não conseguia entender como alguém podia gostar de maltratar o semelhante. Às vezes ele açoitava os escravos a ponto de quase os matar e às vezes açoitava pouco. Ninguém sabia exatamente qual a intensidade da surra e, portanto todos os escravos o temiam muito. Quando José reclamava para o pai que isso era cruel e irracional, ele abria a bíblia e mostrava:

Lucas 12:47 e 48 O servo que soube a vontade do seu senhor, e não se aprontou, nem fez conforme a sua vontade, será castigado com muitos açoites;48 mas o que não a soube, e fez coisas que mereciam castigo, com poucos açoites será castigado. Daquele a quem muito é dado, muito se lhe requererá; e a quem muito é confiado, mais ainda se lhe pedirá.

A maioria dos escravos foi educada somente com um livro: a bíblia. E a passagem que o Sr. Alfredo mais lhes pedia para ler era a seguinte:

Colossenses 3:22  Vós, servos, obedecei em tudo a vossos senhores segundo a carne, não servindo somente à vista como para agradar aos homens, mas em singeleza de coração, temendo ao Senhor.

Os escravos sabiam que o papel deles era obedecer ao Senhor, porque o Senhor do céu era muito mais severo com servos desobedientes.
E o Sr. Alfredo ainda achava que estava certo e que era justo, pois ele sabia que estava obedecendo esta passagem:

»COLOSSENSES [4]1 Vós, senhores, dai a vossos servos o que é de justiça e eqüidade, sabendo que também vós tendes um Senhor no céu.

Ele sabia que tinha que tratá-los com firmeza assim como um pai trata os filhos. Se com seus próprios filhos, ele não poupava a vara, também não iria poupar com os escravos, pois Deus, o Senhor, lhe havia dito o que fazer:

Provérbios 22: 15A estultícia está ligada ao coração do menino; mas a vara da correção a afugentará dele.
Provérbios 23: 13Não retires da criança a disciplina; porque, fustigando-a tu com a vara, nem por isso morrerá.
Provérbios 29: 15A vara e a repreensão dão sabedoria; mas a criança entregue a si mesma envergonha a sua mãe.

De vez em quando os escravos, principalmente o Benedito, pensavam em fugir ou tomar a vara do Senhor e lhe dar um pouco do seu remédio, mas eles já haviam aprendido que a bíblia era a palavra de Deus e Deus havia deixado claro que não deviam se rebelar. A fé era seu consolo. Eles sabiam que ganhariam o céu no final.

»I TIMóTEO [6]1 Todos os servos que estão debaixo do jugo considerem seus senhores dignos de toda honra, para que o nome de Deus e a doutrina não sejam blasfemados.2 E os que têm senhores crentes não os desprezem, porque são irmãos; antes os sirvam melhor, porque eles, que se utilizam do seu bom serviço, são crentes e amados. Ensina estas coisas.

O pai do Benedito discutia muito com ele porque o Benedito nunca havia se esquecido da surra que levara que quase o tinha matado, mas seu pai sempre lhe mostrava essa passagem.

»TITO [2]9 Exorta os servos a que sejam submissos a seus senhores em tudo, sendo-lhes agradáveis, não os contradizendo10 nem defraudando, antes mostrando perfeita lealdade, para que em tudo sejam ornamento da doutrina de Deus nosso Salvador.

E lhe dizia que se ele agüentasse até o final, ele ganharia o céu. Que adiantava ganhar o mundo e perder a alma? E Benedito se controlava.

Outra passagem que seu pai adorava lhe mostrar era essa:

»I PEDRO [2]18 Vós, servos, sujeitai-vos com todo o temor aos vossos senhores, não somente aos bons e moderados, mas também aos maus.19 Porque isto é agradável, que alguém, por causa da consciência para com Deus, suporte tristezas, padecendo injustamente20 Pois, que glória é essa, se, quando cometeis pecado e sois por isso esbofeteados, sofreis com paciência? Mas se, quando fazeis o bem e sois afligidos, o sofreis com paciência, isso é agradável a Deus.

E assim ele se controlava mais uma vez.

Seu pai sempre lhe falava que sua rebeldia ainda o faria perder a alma.

Um dia o patrão pediu para o Jeroboão, o pai do Benedito, buscar-lhe um balde de água e Jeroboão, apesar de velho e meio corcunda e quase não agüentando nenhum peso, mesmo assim foi buscá-la. O Sr. Alfredo estava ficando cada vez com mais raiva porque o jeroboão estava demorando. Finalmente o Jeroboão chegou com a água, mas quando foi lhe dar, ele deixou cair o balde.
O Sr. Alfredo não agüentou e começou a lhe xingar e a bater e o velho caiu no chão e continuou apanhando. O Benedito não agüentou ver seu pai sendo maltratado daquela maneira e pegou um facão e foi em cima do Sr. Alfredo, mas José, o filho do Sr. Alfredo viu a cena e por um instante ficou imobilizado sem saber o que fazer. Ele sabia que seu pai era um tirano, mas não podia deixar que o matassem. Quando ele viu que o Benedito ia mesmo matar seu pai, ele pegou uma espada e lançou-se em cima de Benedito com a intenção de apenas lhe assustar, mas o Benedito foi em cima dele de uma vez e a espada lhe adentrou o coração matando-o na hora.
José viu o que tinha feito, jogou a espada no chão, entrou em casa chorando, pegou suas roupas, selou um cavalo, e saiu correndo daquele inferno e nunca mais olhou para trás.

Autor: jmsilv@gmx.com